quinta-feira, 1 de outubro de 2009

A LINGUAGEM NO VIRTUAL


A linguagem no virtual
por Porfirio Amarilla - Docente e Filósofo
Segundo Levy (1993, p.76), o homem pratica as tecnologias da inteligência desde a Antigüidade. Para ele, a linguagem é uma das tecnologias da inteligência capaz de viver, aqui e agora, o presente, o passado e o futuro. E é sobre ela que irá cair todo peso do universo da informática, como um todo, por meio de símbolos, sons, vídeos, músicas etc. Dentro desse contexto, ela assume um papel importantíssimo para a compreensão do universo virtual e do próprio agir e existir no universo real. É por meio dela que o espaço imaginativo do homem ganha forma no real e no virtual.
Se por um lado, como oralidade, orienta a memorização e a aquisição de conhecimento neste instante; por outro, como escrita, libera o pensamento do tempo e espaço, e, conseqüentemente, a mente da memorização permanente. A partir da escrita, o conhecimento se torna autônomo, em que a presença de quem comunica não se faz necessária. Por ela, tempo e espaço são momentos vividos para quem escreve, e reconfigurados para quem para lê (Kenski, 2003, p. 38).
As questões da linguagem diante do universo virtual se avolumam, por isso, faz-se necessário refletirmos sobre o papel da linguagem enquanto mediadora para a compreensão do universo virtual.
O que acontece com a oralidade e a escrita dentro do processo de virtualização? Na virtualização, a oralidade e a escrita deixam de ser contínuos e ganham dimensões, no tempo e espaço, descontinuadas. O discurso assume no virtual, por meio de vídeos, gravações, texto, mensagens etc; um tempo e um espaço indeterminado. O caráter nômade e disperso do virtual invade a linguagem e só se refere ao tempo e espaço como o momento da exposição em que ela orienta a memorização e a aquisição do conhecimento. A linguagem, antes oral, instantânea e espacial, imerge na atemporalidade do universo virtual, na não presença. Neste universo, enquanto discurso oral e escrito, ela é global, móvel e imediata em qualquer espaço e em qualquer tempo. No sentido contrário, para quem ouve ou lê o globo é menor, em que a presença de quem discursa pouco importa, é o lugar onde se está, aqui e agora, é quem guia e orienta a quase presença de daquele que discursa.
O texto no virtual é determinado para ser texto em ato, mas condicionado à interpretação do real, da interpretação daquele que o lê, como tudo no virtual. Tanto na educação, na socialização, na produção, quanto na virtualização, a linguagem tem um papel fundamental. É por meio dela que os saberes são entrelaçados, em que os conceitos são enunciados e os remetem ao real, às interpretações. A linguagem é o mundo descrito em fatos, tudo no mundo é fato. E isto se abre naturalmente ao pressuposto de que as ocorrências do estado de coisas possam ou não ser como ela lhes dá sentido, pois o mundo é determinado pelo sentido que se aplica a ele mesmo. Assim, tudo aquilo que pode ser pensado pode se tornar discurso, desde, é claro, que tenha sentido para quem se apossa deste discurso.
Por ser uma atividade complexa, o pensamento utiliza uma estrutura específica pela qual consegue expressar e figurar a realidade, e esta estrutura específica é a linguagem. O pensamento é um discurso essencialmente simbólico cuja forma essencial não pode ser muito diferente da do discurso. Por isso, o pensamento é um discurso que na sua totalidade é linguagem. A linguagem enuncia a lógica do mundo, não diz o que uma coisa é, mas como ela é.
Há, de fato, como comenta Levy (1996, p. 98-100), uma memória coletiva que dá sentido a certas coisas do mundo e modela as inteligências particulares, se é que podemos usar no sentido estrito a palavra modelar. Tal memória acaba proporcionando um espaço cognitivo que permite que certos tipos de idéias ou de mensagens tenham maiores possibilidades de reprodução que outros. Desse modo, formas sociais, instituições e técnicas acabam desempenhando um papel fundamental para essa memória coletiva. A Educação, por exemplo, com todo o seu aparato pedagógico, metodológico, organizado por conhecimentos específicos; participa para a formação ou reprodução dessa memória coletiva, assim como, as forças políticas engendram uma organização social que reproduzem ou produzem os conceitos de economia, de comunicação etc.
No entanto, recordando Wittgenstein, que as coisas existam ou não, pode ser uma possibilidade, porém é condição de sentido do discurso a existência dos constituintes dos estados de coisas; é condição de significação que o objeto exista e que seja o que é e não outra coisa. Ele vê na linguagem o meio de expressar o mundo tal qual ele é. Se o mundo pressupõe a totalidade de objetos e, conseqüentemente, o espaço lógico, que define o estado de coisas nele inscrito, então, a linguagem é o meio e o limite pelo qual se determina aquilo que pode existir e pensar. Embora o pensamento não reconheça no mundo a estrutura do espaço lógico, é nele próprio que se encontra essa estrutura. O espaço lógico é o cenário posto como ambiente para que se possa pensar algo como sendo isto ou aquilo. (1968, p.92).
A razão no virtual percorre o globo e se põe diante de outras razões e de outros corpos; potencializando o movimento de conhecer as idéias e de sentir a realidade. No entanto, isto não significa que as mensagens oriundas desse universo, como sempre foi na história da humanidade, partindo da premissa de que a linguagem é virtual desde a sua origem; terão o mesmo sentido para quem as recebe. Contudo, não seria afirmar a radicalidade do esvaziamento do sentido no real como diz Baudrillard, incapaz de gerar conhecimento: “a potência do ‘virtual’ nada mais é do que virtual. Por isso, aliás, pode intensificar-se de maneira alucinante e, sempre mais longe do mundo dito “real”, perder ela mesma todo princípio de realidade” (Baudrillard, 1997,71-73). Ao contrário do que afirma Levy, que para ele “o sentido emerge de efeitos de pertinência locais, surge na intersecção de um plano semiótico desterritorializado e da trajetória de eficácia ou prazer”(1996, p.49).
Dizer que a virtualidade de um texto alimenta a inteligência em ato, como afirma Levy, é ter também em conta que, embora o virtual de fato potencialize o texto, não altera seu significado no real, o texto nada é em ato senão possibilidade para o real. O real ou virtual é aquilo que o pensamento diz ser, enquanto linguagem. Cada inteligência particular, mesmo que tenha desenvolvido sua inteligibilidade pelo mesmo modelo que as outras, opera e compartilha, pela própria cultura e pela sua dimensão social, o curso do próprio pensamento, do próprio conhecimento (1996, p. 99). Sob esta perspectiva, o conhecimento é apreendido à medida que as inteligências interagem com os enunciados potencializados e é estabelecido como tal à medida que é interpretado e analisado a partir do contexto e da própria inteligibilidade daquele que o apreende. Desse modo, inevitavelmente as apreensões serão confrontadas com o real ou com o virtual.
O movimento que um discurso ou a constatação de conhecimento causa em meu ser é alimentado pelo meu próprio ser. Falar de dominantes e dominados para quem sempre se sentiu livre, não faz o menor sentido para quem ouve e não interfere em nada naquilo que se sente como ser livre; ao contrário, falar de dominantes e dominados para quem sempre se sentiu preso, faz um sentido danado. Resta saber, no entanto, por que uns se sentem livres e outros presos? O papel da comunicação é exatamente esse: contribuir para esclarecimento dos sentidos do mundo, das coletividades, das individualidades, tanto no real, como no virtual.
Bilbiografia
ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
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BAUDRILLARD, Jean – Simulacros e Simulação. Lisboa, Relógio D’Água Editores, 1991.
BOURDIER, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
LEVÝ, Pierre. As tecnologias da inteligência. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.
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_____, Pierre. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed 34. 1999.
QUINTANILLA, Miguel A. Técnica y Cultura IN Teorema - Revista de Internacional de Filosofia. Organização dos Estados Ibero-americanos. Vol. XVII/3, 1988. Disponível em versão eletrônica. http://www.oei.es/salactsi/teorema.htm ou http://www.oei.es/salactsi/teorema03.pdf
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